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CURADORIA

Ana Lobo

Crítica e historiadora da arte, pesquisa práticas em arte e política desde 2007. Faz parte da coletiva de pesquisa curatorial Napupila e do programa de acompanhamento crítico Projeto Piloto.

É doutora em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ, mestre pelo Instituto de Artes da UERJ, especialista em Arte e Arquitetura no Brasil pela PUC-Rio e graduada em Ciências Sociais pela UFJF.

Atendeu cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. É autora do projeto Explore Sv. Atuou como gestora de conteúdo do Instituto Tear e editora da revista Astrolábio; foi avaliadora de projetos do Ministério da Cultura e Caixa Cultural. Realizou trabalhos de produção para a galeria A Gentil Carioca. Participou no núcleo de educação da Fundação Casa França-Brasil – RJ.

É curadora independente e presta serviços de consultoria e pesquisa para espaços culturais, artistas e colecionadores.

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Texto curatorial

Quando ocorre uma transposição, aparece em seu interior uma espécie de incompletude.  Imageticamente, ao longo dessa ação continuada, a origem das coisas é rescindida, e, de alguma forma, nesta dissolução se sedimenta o que está por vir. Transposições, físicas e metafóricas, exigem de seus intérpretes uma nova didática dos sentidos, para que as mudanças que se estendem na travessia se tornem passíveis de leitura. Nada parece ser como era e nada está concluído. Resta, assim, decifrar os códigos disponíveis no caminho.

 

No capítulo “O Inconsciente”, publicado no livro “A História do Movimento Psicanalítico” (1914), Freud utiliza, em alemão, ao menos três palavras traduzíveis como transposição. Umsetzung, que remete à implementação. Umstellung, em uma alusão a inversão, nova orientação. Por fim, Ubertragung, que pressupõe transferência, transmissão e caminho. O autor recorre a tais palavras tanto para versar sobre as “nuances” da psique, quanto para referir-se às posições anatômicas do cérebro. Na gramática, as transposições fazem menção à ordem das palavras; na música, à mudança de tom quando necessário; na matemática, à permuta entre códigos numéricos; nos processos cirúrgicos, à transferência e adaptação de um tecido. A transposição, além disso, define o fenômeno em que o gene se insere ao cromossomo. Uma transposição tipográfica é equivalente ao reconhecimento do erro tipográfico no conjunto da obra, ou o reconhecimento daquilo que altera o entendimento do texto. Por que a palavra é ferramenta chave para definir tantos fenômenos distintos? Seria a transposição uma das qualidades que definem a própria leitura de mundo?

 

A palavra motriz “Transposição'' corrobora para o desenho curatorial da mostra do 4° ano do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UEPG, evento elaborado por dezessete artistas, entre estudantes, estagiários e professores do curso de Artes Visuais.  Coletiva e gestada em colaboração, a exposição se propõe a negociar o sentido das obras apresentadas a partir de palavras dicotômicas, alocadas no espaço expositivo e abertas às transposições. 

 

“Habitar/Compartir” é um primeiro eixo da mostra, comentando as formas de lidar com circunstâncias materiais, psicológicas e relacionais – seja a partir da contraposição entre os ambientes encarnados de Brenda Ressetti; seja através da fina camada imaginativa dos monstros de Alexandra Aguirre, alocados em uma primeira sala. Ressoando pelo espaço subsequente, as obras de Patrícia Câmera e Alice Rasiniski complementam o eixo, e se cruzam com noções de experiência, atribuindo relatos sobre situações reais e subjetivas. A sessão “Seguir/Retomar”, retrata as formas de transformar, refazer, criar métodos, transpor antigas práticas.  Maria Cristina Mendes aponta como alternativa às adversidades do tempo presente, reacender em si a experiência com o desenho. Letícia Lupepsa aborda uma travessia da pandemia a partir da dissolução da própria imagem. Valéria Metroski de Alvarenga propõe atravessamentos pelos poros dos anteparos, imprimindo gestos performáticos como parte das composições. Enquanto Lehy explora a colagem como possibilidade comunicativa, ensaiando paisagens a partir da montagem; Thaiane de Toledo explora o desgaste de uma imagem, transpondo o uso pelo desbotar da pintura. Em “Desfazimento/ Existência” o convite é endereçado à reflexão sobre o caráter transitório da existência, contrapondo noções de organicidade e não organicidade, tempo e imagem. Neste lócus, a materialidade nas pinturas de Ana Azul, são postas em relação com os volumes de Arthur Calheiros Amador. Os aspectos perecíveis da matéria frente ao tempo são explorados nas pinturas de Junior Heitkoeter, e nos materiais duradouros que habitam as obras de Nelson Silva Jr. O tempo é a matéria poética negociada nas fotografias de M. Alves, e na sobreposição de gestos que compõem as obras Joel de Matos Goes. Por fim, ao longo da exposição, são apresentadas obras avessas às palavras pautadas nas dicotomias, localizando hiatos espaciais e reflexivos sobre a exposição. Nesse sentido, as abstrações de Lucas Soares de Sousa e a leveza quase pueril de Karine de Lima Wisniewski aparecem como provocações.

Em Transposição, os intervalos reflexivos encontram-se disponíveis às traduções e interpretações. Essa atividade, entretanto, não acontece na pura colisão de palavras ou na comparação entre obras, mas na estranheza. Importa, de antemão, deixar soar o que há de estrangeiro nas passagens percorridas, explorar os silêncios das traduções, os intervalos que se abrem ao experimentarmos o espaço coletivo.

 

Ana Emília Lobo

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